O Código de Ética e Disciplina também se aplica às violações cometidas com mau uso da inteligência artificial pela advocacia. A ética não é total flex.
Os constantes casos de uso abusivo da inteligência artificial na prática da advocacia reacendem as necessárias luzes sobre a ética na advocacia.
Mesmo antes do aparecimento da inteligência artificial a advocacia já se submetia ao cumprimento de princípios deontológicos. Os deveres e regras morais que governam nossa profissão se destinam a assegurar a integridade, a confiabilidade e a própria função social do advogado.
Como um guia que orienta nossa conduta diária, a deontologia ultrapassa a mera legalidade: adentra o campo da ética e da moral, garantindo que o profissional atue também de forma justa e honrada. As violações dos princípios deontológicos não prejudica apenas a reputação individual, mas fragiliza a confiança da sociedade em toda a classe.
Desde sempre o Estatuto da Advocacia obriga o advogado a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina. No exercício profissional o advogado é responsável pelos atos que praticar com dolo ou culpa, devendo atuar com honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé, sendo-lhe defeso falsear deliberadamente a verdade e utilizar de má-fé.
Especificamente em relação ao uso da IA devem os advogados garantir sua correta utilização, supervisionando resultados, mantendo o sigilo profissional, protegendo os dados pessoais de seus clientes, além de estar atualizado sobre as implicações legais da tecnologia no exercício da profissão.
Diversas entidades de advogados pelo mundo têm se manifestado através de recomendações que refletem as preocupações com a ética no uso da IA.
O Conselho Federal da OAB publicou a recomendação 01/24 que apresenta diretrizes para orientar o uso de inteligência artificial generativa na prática jurídica: a IA deve ser usada de forma transparente, respeitando a confidencialidade, evitando práticas desleais e sempre com supervisão humana para garantir a ética profissional; ressalta o dever de transparência, a responsabilidade humana, o rigoroso cuidado com a confidencialidade e proteção de dados; a não violação do sigilo profissional; a atenção para vieses algorítmicos que possam gerar discriminação e a necessidade de letramento para o uso consciente e ético da ferramenta.
A recomendação destaca que o uso de sistemas de IA por profissionais da advocacia não deve comprometer a qualidade dos serviços jurídicos, nem apresentar informações, jurisprudências ou fatos incorretos nos tribunais.
Nesse primeiro artigo sobre o uso da IA pela advocacia informamos os julgados que detectaram o uso abusivo da IA e as punições aplicadas.
A inteligência artificial já tem gerado celeumas no Judiciário, seja pelo uso indiscriminado, seja pela incorreção das suas afirmações.
Infelizmente encontramos dezenas de casos judiciais que expõem o uso abusivo da IA pela advocacia: no STF, STJ, TST, TSE, TRF-2, TRT da 2ª, 7ª e 20ª regiões, vara do júri de Juazeiro/BA, vara Federal de Londrina/PR, TJ/PR, TJ/SC, vara cível da comarca de Caucaia/CE.
As decisões detectaram julgados fictícios, alteração de conteúdo de súmula vinculante, jurisprudências inventadas, afirmações inverídicas, magistrados imaginados, decisões erroneamente atribuídas a ministros, afora os casos de juntada de petição com a marca d’água da ferramenta. Tudo a demonstrar também a ausência completa da obrigatória revisão humana.
Magistrados brasileiros têm enfatizado que a IA é uma ferramenta auxiliar, e a responsabilidade pelo conteúdo da peça processual é sempre do advogado.
As descobertas ensejaram a aplicação de penalidades pecuniárias ao advogado subscritor da peça por desrespeito contra a Justiça e aos princípios da boa-fé e da cooperação, por agir de forma temerária e pela prática de ato atentatório à dignidade da Justiça.
As multas e sanções por litigância de má-fé, foram aplicadas em percentuais que variam de 2 a 10% sobre o valor atualizado da causa, vinte salários-mínimos e ao pagamento em dobro das custas iniciais do processo.
As punições, porém, não se dirigem apenas ao advogado constituído, mas, alcançam a própria parte. O indeferimento da demanda, além do pagamento de multa, enseja a responsabilização civil do advogado pela parte.
Ademais, o cliente pode sequer ter conhecimento de que seu procurador fez uso de sistemas de IA, e ainda o fez de forma indevida.
Nessa seara o advogado também descumpre previsão expressa da recomendação do Conselho Federal da OAB: “O advogado que optar por utilizar ferramentas ou sistemas de Inteligência Artificial na prestação de serviços advocatícios deve, previamente ao início de sua utilização, formalizar tal intenção ao cliente”. O aviso ao cliente sobre o uso de IA deve ser formalizado através de documento escrito, com linguagem clara e acessível, explicando o propósito, os benefícios e limitações, os riscos envolvidos, as medidas de segurança e confidencialidade adotadas para proteger as informações sensíveis do cliente.
Por outro lado, os julgadores têm oficiado a Ordem dos Advogados do Brasil para que a Entidade apure a infração ética pior uso irregular de ferramentas de IA e adote as providências que entender cabíveis. Várias seccionais já foram notificadas. O uso indevido da IA na prática jurídica enseja ainda a abertura de processo ético disciplinar.
O advogado precisa aprender a usar a IA como ferramenta de apoio, sem se eximir da responsabilidade de verificar a precisão das informações. A IA deve ser um auxiliar, não um substituto para o raciocínio jurídico e a pesquisa.
A base ética da advocacia nunca foi alterada. É necessário compreender que os princípios éticos aplicados à IA são fundamentais para o uso responsável e inovador da tecnologia, garantindo que a IA seja uma aliada da justiça e não uma fonte de novos dilemas éticos.
A IA tem o potencial de transformar a advocacia para melhor, mas seu uso deve acontecer de forma ética e responsável.Os advogados devem estar atentos a tais desafios, buscar capacitação, adotar boas práticas para realizar a integridade da profissão. A OAB desempenha um papel importante na orientação e regulamentação do uso da IA, e assim o fez ao editar a recomendação.
A responsabilidade final é de cada advogado, que deve sempre buscar a excelência e a ética em sua atuação. A tecnologia não é responsável por desvios éticos.
Publicado no InformatIvo MIGALHAS
13 de outubro de 2025
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/442088/uso-etico-da-ia-na-pratica-juridica-do-advogado